A mundialmente famosa Caravela-Portuguesa

Navegando calmamente ao sabor das correntes e dos ventos, a Caravela-Portuguesa parece inofensiva. No entanto, por baixo da sua fascinante e elegante estrutura azul-avermelhada escondem-se perigosas “armas de destruição”…


Antes que penses que vais ler um magnífico texto histórico sobre uma caravela portuguesa que, durante os Descobrimentos, foi responsável por levar os portugueses à descoberta do mundo inteiro, ficas já a saber que não é nada disso que vais encontrar nas próximas linhas. Este artigo refere-se sim a um dos seres aquáticos mais conhecidos no mundo, e que devido à sua forma de barco em miniatura foi apelidado de caravela-portuguesa. A razão para a sua fama mundial são as insuportáveis picadas que fazem centenas de vítimas todos os anos. Também conhecida por fisália (Physalia physalis, Linnaeus, 1758), as caravelas-portuguesas encontram-se espalhadas por todos os oceanos e pertencem ao grupo (mais concretamente ao filo) dos Cnidários. Apesar de estruturalmente serem do mais simples que há, os cnidários possuem uma das estruturas mais complexas do reino animal, os nematocistos — os pequenos “órgãos” responsáveis pelas suas famosas picadas. Com cerca 30cm de comprimento e de de largura, na realidade a caravela-portuguesa não é um organismo isolado. É sim, um conjunto de quatro tipos de organismos, designados por pólipos, com características muito diferentes entre si e onde cada um deles tem uma função que assegura a sobrevivência de toda a colónia. O corpo que vemos fora de água, o pneumatóforo, é a principal estrutura e é o primeiro tipo de pólipo que encontramos. A função deste é garantir a flutuação da restante colónia. Para tal, o seu interior está cheio de gás o que, associado à sua forma, faz com que este funcione como a vela de um barco. Apesar de não terem qualquer tipo de movimento natatório, as caravelas-portuguesas têm alguma coisa dizer no que se refere à direção. Assim, algumas fisálias derivam para a esquerda enquanto outras o fazem para a direita, fator que varia consoante o ângulo do pneumatóforo. Esta distinção é crucial para a sua dispersão pelos oceanos e funciona como um mecanismo de sobrevivência. Por exemplo, se um grupo de fisálias se encontrar perto da costa, uma determinada direção do vento pode fazer com que parte delas vá para terra, o que irá matá-las por desidratação. No entanto, um bom número de indivíduos será sempre levado para o lado oposto, o mar alto, garantindo assim a sobrevivência da espécie. Este primeiro tipo de pólipo pode ainda perder o ar fazendo com que toda a colónia mergulhe, o que só acontece quando a colónia se sente ameaçada. É por baixo da estrutura referida que se encontram, suspensos, os restantes “habitantes” da colónia. Constantemente submersos, encontramos assim os outros três tipos de pólipos: gastrozóides (alimentação), gonozóides (reprodução) e dactilizóides (captura). Chegando a atingir 30 metros de comprimento, os longos filamentos formados pelo dactilizóides são os responsáveis pelo perigo das caravelas-portuguesas, uma vez que é aqui que se encontram os tais nematocistos. Quando algo (ou alguém) toca nesses filamentos (atenção que basta um simples roçar), os nematocistos são acionados e injetam um veneno paralisante na presa (geralmente pequenos peixes, camarões ou outros animais que se encontram no plâncton). Uma vez capturada a presa, os gastrozóides vão digeri-la. Apesar de raramente se aproximarem da costa, estas “fortalezas flutuantes” (ou parte delas) vêm por vezes dar à praia, e é nessas alturas que o terror se instala. Isto porque independentemente de se tratar de partes do animal ou da colónia inteira, os nematocistos conservam as suas propriedades por muito tempo, mesmo que o indivíduo tenha ficado várias horas a seco na praia. Por isso já sabem, ver é só mesmo com os olhinhos. Caso tenhas a infelicidade de tocar num bocado de uma fisália enquanto fazes surf, a primeira sensação que vais sentir é a dor da picada seguido de um ardor. O membro picado pode ficar entorpecido e, ao fim de algum tempo, pode surgir comichão e urticária. Basicamente, isso vai depender do tempo de contacto e da quantidade de tentáculos envolvidos no infeliz encontro. Por isso lembra-te, sempre que “combinares” um “encontro” com um destes simpáticos seres, certifica-te que é breve.


Algumas curiosidades sobre a caravela-portuguesa:

  • Se fores surfar à Madeira ou aos Açores deves ter cuidado redobrado pois estes seres existem em significativa abundância nestas águas. Localmente são designadas por «águas-vivas»;
  • O seu veneno é cerca de 75% tão poderoso como o de uma cobra;
  • Há um pequeno peixe, Nomeus gronovii, que nada no meio dos tentáculos das caravelas-portuguesas à procura de comida e que é praticamente imune às suas picadas. Por sua vez, as tartarugas marinhas são totalmente imunes às suas picadas e alimentam-se delas.

O que fazer quando se é picado por uma Caravela-Portuguesa:

Apesar de não ser fatal (a não se que tenhas a infelicidade de ser alérgico), o seu veneno provoca dores angustiantes. Por isso, se tiveste esse azar, ou uma curiosidade mórbida em tocar naquele corpo gelatinoso, deves retirar todos os nematocistos que estão em contacto com a pele, isto porque eles vão continuar a libertar o seu veneno durante muito tempo. Para tal, aplica álcool, pó de talco ou mesmo espuma de barbear. Depois lava a ferida com água do mar para os remover. Se for necessário usa uma pinça. Atenção: não esfregues a área afetada pois vais espalhar o veneno. Por fim, coloca gelo. Os anestésicos locais também podem ser de grande ajuda. Se se verificaram espasmos musculares persistentes, o melhor é procurares um médico.